São José das Missões, a 310
quilômetros de Porto Alegre (RS), tem um posto de saúde e dois médicos
para dar conta de 2,7 mil habitantes. Quarenta crianças em idade
pré-escolar têm aulas em salas improvisadas na única escola estadual
existente por lá, enquanto esperam a construção de uma creche, com
recursos do governo federal, que só deve ficar pronta em 2014. A cidade
gaúcha ficou apenas na 3.090ª colocação no Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) entre 5.565 municípios brasileiros. Em meio a tantos
números, existe um ranking que São José das Missões encabeça: o de
prefeitura que, proporcionalmente, mais gastou em 2011 para custear a
máquina pública municipal. Entre suas despesas, 53% foram destinados
apenas para essa função.
Levantamento inédito da Federação das
Indústrias do Rio (Firjan), feito a pedido do GLOBO, mostra quais são as
principais despesas das prefeituras Brasil afora. Conclui que 533
cidades analisadas (12%) gastaram mais com atividades burocráticas da
administração e com o Legislativo local do que com Saúde e
Assistência
Social; e que 548 (12,3%) desembolsaram mais com o custeio da máquina
pública do que com Educação. Os dados, fornecidos pelas próprias
prefeituras ao Tesouro Nacional, são relativos a 2011. A análise leva em
consideração 4.437 municípios que apresentavam dados consistentes para o
período.
Os salários de professores e de médicos,
por exemplo, estão contabilizados como gastos em Educação e Saúde,
respectivamente. Já administrar as contas das prefeituras, fazer o
controle interno, normatizar e fiscalizar ações privadas locais, além
das despesas do Legislativo, entram como custeio da máquina pública.
Cruzando os dados, verifica-se que 269
prefeituras gastaram mais com atividades burocráticas da administração e
com a Câmara de Vereadores do que com Saúde, Assistência Social e
Educação. Metade delas possuía menos de 5 mil habitantes no período
analisado, e apenas dez superaram a barreira dos cem mil habitantes. É
um indicativo de que o peso da administração municipal é maior nas
cidades pequenas.
Justamente para impedir que esses
municípios menores e que tanto gastam para manter a máquina pública se
proliferem é que o Senado aprovou, na semana passada, um projeto de lei
complementar que permite que os estados autorizem a criação de novas
cidades, mas impede que elas tenham menos de 5 mil habitantes.
— Independentemente do tamanho do
município, há uma estrutura mínima necessária ao funcionamento da
prefeitura. Em cidades pequenas, os ganhos de escala da administração
são limitados, impedindo a queda dos custos com a manutenção da máquina
pública e, portanto, limitando os recursos para outras áreas — explica o
gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Guilherme Mercês, responsável
pelo levantamento.
Para se ter uma ideia, cada cidadão
brasileiro desembolsou, em média, R$ 280 para custear a administração e o
Legislativo municipais em 2011. Em uma cidade com menos de 5 mil
habitantes, esse valor mais do que dobra, passando para R$ 621.
Os dados mostram que, apesar de ainda
significativas, as despesas destinadas ao custeio da máquina pública
foram as que menos avançaram entre 2006 e 2011: passou de 16% para 14%.
— É desejável que esses gastos
comprometam o mínimo possível do orçamento, de forma a não consumir
recursos que poderiam ser destinados à prestação de serviços à
população. Mas vale ressaltar que essas cidades destoam do conjunto de
municípios brasileiros, onde essas despesas vêm perdendo espaço no
orçamento, ao mesmo tempo em que crescem os gastos com Saúde e Educação —
analisa Mercês.
O Rio Grande do Sul tem seis cidades
entre as dez que, proporcionalmente, mais gastam com o custeio da
máquina pública. O GLOBO foi a São José do Sul, cidade com 2,3 mil
habitantes no pé da serra gaúcha e sétima colocada no ranking dos
municípios que mais apresentam despesas com a administração e a Câmara
de Vereadores, percentualmente.
Não foi fácil encontrar a prefeitura.
Não há placas indicativas, ela não está ao lado da igreja, como na
maioria das pequenas cidades brasileiras, e nem ocupa um prédio
histórico da comunidade. Mas basta descer a rua que leva ao Centro
Administrativo Municipal para não ter mais dúvidas: a obra chama a
atenção pela imponência dos vidros espelhados e pelo gramado frontal. O
gabinete do prefeito Anildo José Petry (PSD), em segundo mandato, tem
quase 50 metros quadrados de área. O salão onde os nove vereadores da
cidade se reúnem a cada 15 dias daria para abrigar um baile.
Sem indústrias e com poucas empresas,
São José do Sul vive basicamente dos repasses federais do Fundo de
Participação dos Municípios (FPM). O prédio da prefeitura foi inaugurado
em junho do ano passado e custou R$ 3,5 milhões — 63 vezes mais que a
reforma do único posto de saúde de lá, orçada em R$ 55 mil. O prédio,
acanhado, não tem equipamento de raio-X e nem atendimento de urgência.
Os casos mais graves têm de ser transferidos para Montenegro, a 25
quilômetros de distância.
A reportagem do GLOBO constatou que a
cidade não tem rede de saneamento básico, apenas dois dos seis distritos
onde vive a população rural têm unidade de saúde, e as estradas
municipais estão em mau estado. Dos R$ 9,2 milhões que gastou em 2011, a
prefeitura dedicou 42,4% para custear a máquina pública, enquanto o
destinado para Saúde, Assistência Social e Educação ficou na casa dos
18%. O prefeito diz oferecer serviços que nenhuma outra cidade vizinha
oferece à população.
— Nosso centro de saúde tem
cardiologista, fonoaudiólogo, psicólogo. Também temos dois dentistas à
disposição na rede pública. Além disso, compramos plantões nos hospitais
da região caso algum morador necessite de atendimento à noite ou nos
finais de semana. E fazemos o transporte. Onde tem isso aqui por perto? —
questiona o prefeito.
A população, entretanto, não reclama. A
aposentada Isolde Schutz, tem 73 anos e mora há meio século no distrito
de Harmonia. Era uma das poucas pessoas que faziam consulta no posto de
saúde da cidade na última quarta-feira:
— Não dá para se queixar. Moro aqui há 50 anos e nunca vi o postinho tão bem cuidado.
Mas exames mais complexos não são feitos
na cidade. A consulta com um ortopedista, por exemplo, tem uma fila de
espera de quase um ano.
— Temos dificuldade justamente nos
procedimentos de média e alta complexidade, por falta de médicos e de
estrutura. Mas, no resto, somos um modelo para a região — assegura a
secretária de Saúde do município, Juliane Bender.
O Globo
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